Contudo, a catástrofe climática que já começa a dar sinais em diferentes regiões do mundo suscita discussões, estudos e o desenvolvimento de novas tecnologias para a obtenção de energia a partir de fontes renováveis. Em 2015, mais de 190 países assinaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), documento contendo 17 metas globais para alcançar um futuro mais sustentável e estabelecidas pelas Nações Unidas e o Acordo de Paris.
Em um cenário altamente complexo e de intensas transformações tecnológicas, a Covid-19 trouxe novos desafios para o setor de energia. De acordo com um estudo elaborado pela McKinsey, a curto prazo, esse setor precisará de um a quatro anos para recuperar a demanda de energia vista antes da pandemia. E, mesmo considerando o retorno, ele não levará aos patamares de crescimento que ocorriam até então.
Alguns fatores ajudam a compreender esse cenário. O primeiro deles é a popularização do “home office” em escala global para atividades que ocorriam presencialmente. Sem a necessidade de as pessoas se deslocarem até o trabalho, o consumo de combustíveis fósseis caiu drasticamente desde o início de 2020.
Outra razão para isso é a interrupção latente dos deslocamentos aéreos, o que impactou mais diretamente o setor do turismo. Por fim, há também o aumento da eficiência energética e o desenvolvimento de tecnologias capazes de diversificar as fontes de energia.
Um exemplo disso são os carros elétricos, que requerem uma quantidade de energia entre 3 e 4 vezes menor do que os veículos convencionais. Essa melhora da eficiência energética, aliada ao declínio da população dos países da União Europeia, deve reduzir a demanda energética entre os países membros do bloco em 20% até 2050.
Em um cenário que se transforma tão rapidamente e envolve inúmeras variáveis (desde a matriz energética e a dinâmica demográfica de cada país até o desenvolvimento tecnológico em diferentes regiões do mundo), quais são as tendências esperadas para o setor energético no futuro?
Tendências
Em um cenário tão desafiador e potente, os combustíveis renováveis devem assumir cada vez mais um lugar de destaque na matriz energética mundial. Essa é a primeira tendência indicada pela pesquisa da McKinsey, que indica que mais de 50% de toda a geração de energia no mundo vai ser obtida de fontes renováveis até 2035. Alguns exemplos dessas fontes são a eólica, a solar e os biocombustíveis.
Contudo, essa mesma pesquisa aponta que os combustíveis fósseis devem continuar a ter um papel importante no sistema de energia até 2050. A tendência é que esse papel seja reduzido em alguns segmentos econômicos em que ele ainda é essencial hoje, mas em algumas áreas, ele deve seguir tendo importância – como a aviação e a indústria química.
A gradual redução do uso do carvão como fonte de energia é outra tendência que se espera para o futuro próximo – processo conhecido como “descarbonização”. Contudo, é bom ter em mente que essa fonte energética (tanto na forma mineral como na vegetal) está profundamente enraizada nos processos produtivos industriais desde a Primeira Revolução Industrial (ocorrida em meados do século XVIII na Inglaterra).
Existem pelo menos dois problemas estruturais em ter uma matriz energética dominada por combustíveis fósseis. O primeiro é que elas são recursos finitos, já que o seu ciclo produtivo precisou de eras geológicas inteiras para ocorrer. E o segundo é que esses combustíveis produzem gases de efeito estufa (como o dióxido de carbono), o que intensifica o aquecimento global e provoca consequências dramáticas para as gerações presentes e futuras.
Com o passar do tempo, outras fontes passaram a compor a matriz energética de diferentes países, como a eletricidade, o petróleo e, mais recentemente, a biomassa. Mas esse crescimento ainda ocorre em ritmo lento. De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2016 apenas 4,9% da matriz energética mundial era nuclear e 9,8% era obtida por biomassa.
Outra tendência que tem despertado o interesse de investidores do setor energético e é considerado o “combustível do futuro” é o hidrogênio, cujas principais vantagens é ser inesgotável, renovável e não poluente. Em seu estado natural e sob condições normais, o hidrogênio é um gás inodoro, incolor e insípido, produzindo apenas água e calor quando é queimado com oxigênio puro.
Outro diferencial desse elemento é que ele possui a maior quantidade de energia por unidade de massa do que qualquer outro combustível conhecido hoje e, quando é resfriado em estado líquido, ocupa um espaço equivalente a 1/700 daquele que ocuparia no estado gasoso. É por isso que, atualmente, algumas petrolíferas desenvolvem estudos na tentativa de adotar esse elemento químico como combustível de carros e fonte de energia elétrica.
Brasil
Nesse cenário, o Brasil se destaca por já ser hoje um dos países que mais utilizam fontes renováveis em sua matriz energética. Dois fatores explicam isso: o consumo de etanol como combustível nos automóveis e a intensa participação das hidrelétricas na geração de eletricidade.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, o consumo final de etanol no país aumentou 11% e a participação do biodiesel cresceu 9,6% na matriz energética de transporte rodoviário de cargas, o que fez o setor de transportes alcançar uma matriz energética composta por 35% de fontes renováveis em 2019.
Porém, é bom lembrar que uma fonte renovável não é necessariamente limpa nem sustentável. Um exemplo disso pode ser visto na Usina de Belo Monte, inaugurada em 2011 no Pará.
Um levantamento apresentado no Congresso Técnico Científico da Engenharia e da Agronomia em 2017 aponta que essa hidrelétrica provocou impactos ambientais drásticos como eliminação de parte da flora e fauna locais (especialmente de peixes), a destruição de igarapés que passam por cidades importantes do interior do Pará e a inundação de áreas de agricultura de pequeno porte.
Essa obra também lembra de forma dramática como os efeitos ambientais sempre são acompanhados por impactos sociais. A Usina de Belo Monte também provocou a redução da vazão de trechos do Rio Xingu essenciais à sobrevivência de comunidades indígenas locais, a realocação de quase dez mil famílias ribeirinhas e a precarização das condições de vida na cidade de Altamira (Pará).
Esse processo promoveu a explosão dos índices de assasinato explodirem nessa cidade – considerada a segunda mais violenta do país pelo Atlas da Violência 2019. Isso mostra a urgência em ampliar o debate sobre o direcionamento da política energética nacional.
Uma energia sustentável é obtida a partir de fontes renováveis que não geram impactos sociais e ambientais negativos, como é o caso da energia solar fotovoltaica e eólica. Esses dois tipos de energia viveram uma forte expansão nos últimos anos e se tornaram algumas das principais geradoras de eletricidade na região Nordeste.
As fontes de energia eólica e solar têm sido alvo de iniciativas que visam impulsionar a sua implantação no país, desde isenções e reduções de tributos e de encargos setoriais (como IPI, ICMS, TUST/TUSD) até programas específicos, avanços regulatórios e participação nos leilões de energia oriunda de fontes alternativas.
Apesar de apontar um avanço na discussão sobre as diretrizes da matriz energética nacional, essas medidas ainda não se fundamentam em uma política de longo prazo. Assim, é possível dizer que, mesmo com todos os seus potenciais naturais, falta no Brasil uma análise sistemática de cenários de futuro, que incluam diferentes visões/possibilidades de configuração da matriz energética.
Essas análises precisam ser capazes de reunir dados precisos sobre a situação energética atual e apontar os desafios técnicos para a transição para uma matriz de fato mais limpa e diversificada, além de propor instrumentos capazes de garantir essa transição: subsídios, isenções tributárias, leilões de energia, entre outros.
É urgente lembrar que todo levantamento precisa considerar não só os aspectos técnicos, mas também indicar quais são as implicações, os custos e os benefícios sociais e ambientais esperados desse processo. Se a atual política energética em diferentes países do mundo ainda é marcada pela competição, o futuro demanda uma estrutura cooperativa transnacional que permita uma alocação econômica que respeite cada sociedade e o meio ambiente como um todo.